Salomé Areias, trend researcher





Caro leitor, em Dezembro passado o Breaking Marketing & Design foi falar com Salomé Areias, trend researcher e professora na Escola de Tecnologias, Inovação e Criação (ETIC). Especializada em tendências de mentalidade na área da moda, Salomé acredita que, assim como a tecnologia foi o motor do século XX, “o design é, agora, o motor do século XXI”. Em entrevista, partilhou a sua visão do mercado e da sociedade e esclareceu conceitos como design thinking, coolhunting e tendência. Uma verdadeira aula para comunicadores, designers ou, simplesmente, para o leitor mais curioso.

Salomé, de acordo com a sua perspectiva e experiência profissional, como definiria “design”? Design é processo. Design é o processo pelo qual um ser humano reconhece um problema e parte para a resolução, recorrendo a ambas as faculdades analíticas e artísticas. Design é por isto ciência e arte. É a interpretação do passado para projectar para o futuro, mas é também o aqui, o eu e o agora (a condição egocêntrica que permite ao criador inovar). Design é também uma filosofia ou mindset; uma forma de nos posicionarmos em relação ao mundo: o que ele nos dá e como o transformamos para solucionar desafios emergentes das sociedades e seus universos de interdependência (mais ou menos como é a fé e as regras de uma religião na sua função aglutinadora e perpetuadora da humanidade).

Design e Comunicação: qual é a sua opinião sobre a relação entre as duas áreas?
Design não existe desprovido de Comunicação. Não existe nada que não comunique. Da mesma maneira não existe comunicação que não seja parcial e, como tal, exige sempre um exercício de design de 'discurso' e de 'mensagem'. A relação é de interdependência.

Na sua opinião, que relação devem ter Marketing e Design? 
O Marketing tem como objecto de estudo o consumidor - e não o consumo! Esta confusão muitas vezes desvia os métodos e ramifica os caminhos processuais logo desde o início. E numa economia em que as corporações sobrevivem à base do lucro, é quase sempre inevitável a despersonalização e colocação do consumidor fora da equação; é quase sempre inevitável interpretar números em vez de interpretar seres humanos com dados emocionais riquíssimos.
A forma de pensar do Design (Design Thinking), junto com uma preferência crescente e generalizada por economias sustentáveis baseadas em recursos, trouxe o Marketing de volta à terra e aos consumidores.
A indústria do Design, por sua vez, deve ter o Marketing, não só muito mais presente no seu processo empresarial e de modelo de negócio, como também muito mais orgânico e de dinâmica interdisciplinar do que costumamos ver. Como referi no início da entrevista, Design é ciência e é arte, Design é ou outros e nós mesmos, mas muitas vezes a natureza do próprio designer fá-lo esquecer a parte essencial da empatia e limitar-se ao exercício artístico e egocêntrico. O Marketing deve ajudá-lo a conhecer o seu consumidor.
Todo o exercício do design devia partir da empatia e compreensão daquele a quem estamos a servir. Por isso o design thinking e a análise de tendências são tão imprescindíveis hoje em dia, em qualquer mercado. A tecnologia foi o motor do século XX. O design é agora o motor do século XXI.
Se estivermos a falar do Design ao serviço do Marketing, é também imperativo verificar a boa aplicação de todos os processos, vulgo o bom design, pois muitas boas ideias podem cair por terra por descurarem-se fases importantes (má qualidade, má execução, defeitos no chamado design físico, demasiada complexidade, desconexão com o consumidor, etc)

Acha que em Portugal essa relação existe e é assídua? Ou seja, acha que os profissionais de marketing e comunicação estão sensibilizados para o uso do design e recorrem aos profissionais adequados?
Sim, mas apenas nas camadas mais jovens. Somos um país de inovadores, mas temos ainda uma geração de empresários, directores, professores, uma população em posições cimeiras que se rege ainda por um paradigma pré-crise. Com isto quero dizer, que apesar das novas gerações já terem 'nascido' com o pensamento do design e evangelizarem a importância desta forma de pensar e trabalhar, quem está à frente das antigas empresas continuam a ser aqueles que na altura da crise não fizeram mais senão cortar despesas nos departamentos de marketing e de design. São estas as empresas que desrespeitam o design. Como o design thinking não lhes é intrínseco, geralmente não sabem distinguir bom de mau design. Então o problema assenta na qualidade do contrato ou do briefing, e não no próprio jovem designer que decidiram contratar. As grandes multinacionais não pecam por ai, pois cresceram ainda mais e 'correram o risco' de aprender com as novas gerações.
Penso que as crises fragmentam os sistemas sociais, para se edificar aquilo que é novo e de acordo com um novo paradigma. Fazer pequenas adaptações não basta: ou se deita fora e se cria de novo, ou a readaptação tem que vir de uma espécie de implosão de novos valores e novas missões. As nossas start-ups já revelam um investimento primário no design. Mais do que investimento, o design faz já parte da linguagem dos novos empresários portugueses, e é impossível dissociarem-no do seu trabalho.

No estrangeiro essa relação é diferente?
Não tendo informação suficiente para te responder acuradamente a esta pergunta, vou entrar na esfera da minha experiência profissional. Tendo trabalhado para empresas de tendências (podes equiparar a Marketing por ambas as áreas estudarem o consumidor) nos EUA, Holanda e Bélgica, o cenário não é muito diferente. Há apenas menos exploração e mais respeito pelos designers.
Regra geral, sociedades que são multi-culturais têm mais propensão para a inovação, principalmente se estiverem geograficamente localizadas em zonas de grande tráfego populacional. Mais ainda, países com sistemas políticos e sociais mais evoluídos, como é o caso, também revelam maior confiança entre as pessoas e entre as instituições. Esse factor muito importante traz a empatia, e com ela o bom design. Neste aspecto, o da empatia, concluo que no estrangeiro as relações profissionais e com o consumidor são mais amistosas e frutíferas, e por conseguinte, o design resulta mais limpo de impurezas.

Segundo a sua perspectiva, qual a importância do design na construção da imagem e identidade das organizações ou marcas?
Considero o design, sem qualquer dúvida, essencial ao exercício de construção de uma identidade. Sem comunicação não existimos, ninguém sabe quem somos. E muitas vezes, uma má comunicação resulta pior do que não ter comunicado.

De que formas pensa que o design pode ser aplicado para transmitir essa imagem e essa identidade?
Partindo do consumidor. Comunicação é uma actividade bidireccional. Muitas vezes esquecemo-nos deste pormenor quando contruímos uma identidade, a nossa identidade, a identidade de algo. É importante lembrar que qualquer órgão de uma sociedade vive dentro dela e é por isso um elo da cadeia, um elemento do grupo que depende dessa harmonia comunitária. Antes mesmo do design de comunicação, essa identidade tem que fazer sentido no grupo onde se insere. Não pode vir o design e tentar convencer a comunidade que o que está ali é bom e para ficar. Dito isto, acho imperativo que, antes do design de comunicação, o bom design da própria organização se verifique, com um modelo de negócio sustentável e que responda às necessidades do consumidor. Nestes moldes é muito mais fácil depois comunicar, pois sabemos quem está do lado de lá.

Que marcas ou organizações destacaria como bons exemplos do uso de design aplicado ao Marketing e Comunicação, nacional e internacionalmente?
A primeira empresa que vou enumerar sem hesitar é a IDEO, talvez por ser um exemplo na aplicação do design thinking e no foco no ser humano como principal objecto do design. Mas existem outros exemplos igualmente irrepreensíveis: a Coca-Cola, a Dove, a Apple até certo ponto, em Portugal quase todas as empresas de telecomunicações e suas sub-marcas (destaco a Moche, Yorn, Optimus).

De acordo com a sua perspectiva e experiência profissional, como definiria “tendência”?
Tendência, em lato sensu, é tudo aquilo que tende para algum sentido. Tendência é uma propensão para algo; é algo que é indicador da sua própria orientação. Sendo que tendência é um termo extremamente abstracto e generalista - e que podemos falar de uma tendência económica, um tendência da física ou química, ou mesmo até de uma tendência para alergias - penso que se refere ao fenómeno social da Difusão da Inovação: o processo pelo qual uma inovação é comunicada, ao longo do tempo, pelos elementos de um grupo social.
O estudo das tendências (ou da difusão da inovação) serve para interpretar as necessidades latentes de uma população. O que invalida as opiniões que consideram ser sua função indicar o que deve ser literalmente seguido, adoptado, copiado. Ou seja, há um processo de 'tradução' da tendência que não deve ser ignorado, e que muitas vezes o é.
Quando falamos de tendências no âmbito do mercado, é comum confundir-se o trigo com o joio. Muitas vezes, as chamadas ondas ou fads  (tendências de curta duração) são interpretadas como tendências relevantes, quando na realidade, individualmente, estas não fornecem informação significativa nem fiel sobre as necessidades do consumidor.
A maneira mais fácil é conceber a tendência como uma mudança no comportamento ou na mentalidade do grupo onde se insere.

O que distingue uma microtendência de uma macrotendência?
A qualidade de micro e macro numa tendência não está relacionada com o tempo de difusão, como erroneamente costuma ser interpretada. Ao invés disso, está relacionada com a especificidade vs. transversalidade da tendência, a nível de sectores da indústria, a nível geográfico, a nível de gerações, a nível de sistemas económicos ou políticos, etc. Quando mais áreas ou escalões abranger, mais macro (ou mais global) é a tendência.

Actualmente ouve-se falar com muita frequência de tendências, um pouco em todas as áreas. Pensa que, hoje em dia, podemos falar numa “tendência das tendências”? Acha que o termo “tendência” é usado correctamente?
Sim. Aplico essa ironia recorrentemente. Existe uma tendência para o uso do termo 'tendência' (tal como para o uso de 'cool' e 'coolhunting') e existe uma tendência para a aplicação da análise de tendências.
Mas, tal como qualquer tendência, esta é sempre passível de ser mal interpretada e mal utilizada, à medida que a difusão caminha para uma camada da população mais mainstream a conservadora. Este desfasamento entre a função original da inovação e a função adulterada pelos mainstreamers é ainda mais acentuado quando estamos a falar de uma inovação complexa, abstracta ou não física, e menos inteligível. É o caso desta ciência, especialmente mal aplicada na área da moda. Daí a minha luta neste sector.

Que importância pode ter o coolhunting para o sucesso e desenvolvimento de uma marca/organização?
Pouca, se a marca/organização limitar a análise de tendências ao coolhunting. Coolhunting é apenas uma fase primária da análise de tendências, essencial a nível processual, mas muito pouco significativa quando destacada da metodologia original e tratada como actividade independente. Poderá dizer-se que as empresas pecam pela pretensão, ao presumirem que a cópia daquilo que 'está a dar' pode significar o sucesso garantido. O coolhunting é apenas uma recolha intuitiva de dados (brutos, por processar) que requer ainda um processo de 'destilação' para chegar às necessidades latentes. Só aí poderão ser geradas as novas ideias como solução. O sucesso só vem no final. A não ser que sejas um tipo cheio de sorte e pontaria.

Uma marca pode, ela mesma, tornar-se uma tendência? Ou seja, uma marca tem a capacidade de incitar todo o processo que cria a tendência?
Sim. Uma marca pode ser tendência e pode ser trendsetter. A marca pode ser difundida com sucesso ao longo do tempo, pelos elementos de uma população, podendo inclusivamente - e aqui é que se torna uma tendência realmente relevante para o mercado e para as necessidades do consumidor - alterar o DNA social ou a cultura/estilo de vida de uma sociedade. Para isso, basta que ela seja uma resposta a uma necessidade do sistema social onde se insere e ter sido apontada para as pessoas alfa desse mesmo sistema, tendo sempre em conta os drivers externos que podem dificultar ou favorecer esta difusão.

De acordo com a sua experiência profissional, que tendências de design tem vindo a identificar
Dentro do design, enumero preferencialmente 4 macrotendências:

Sustentabilidade - Preferência por e emergencia de sistemas autónomos e cíclicos, cujos motores se alimentam dos recursos existentes ou do próprio universo desse sistema. Esta tendência surge do atestado de invalidez do sistema económico vigente, baseado no crescimento exponencial, expansão e exploração de recursos finitos. É muito mais do que ecologia.
Poder do Consumidor - Existe uma inversão da pirâmide. O consumidor tem agora todo o poder sobre as marcas e ele próprio sabe que é trendsetter. Este fenómeno é que estimulou o sector empresarial a repensar os seus métodos criativos e, não só a atender mais ao consumidor, como também a 'descer do pedestal' para conquistá-lo verdadeiramente como uma amizade.
Pensar Design - Refere-se ao que falei há pouco. Cada vez mais pensamos sobre o design e respeitamos o design como a ciência e o motor do século XXI. É o design, e não a tecnologia, que pensa de forma analítica e ao mesmo tempo consegue dar o salto para a inovação. Como dizia Henry Ford: 'Se eu perguntasse aos meus clientes o que eles queriam, eles diriam que queriam uma carruagem com mais cavalos'. Isto tem repercussões muito positivas no novo mundo pós-crise.Individualismo - A globalização fez-nos antever este fenómeno crescente há muito tempo. A perda de raízes, das nossas casas, as migrações, a dissolução de barreiras (físicas, geográficas ou de comunicação) trouxe-nos uma grande nostalgia e um grande vontade de criar identidades. Ao longo dos anos fomo-nos fragmentando em grupos, estilos, depois pequenas tribos urbanas. Hoje em dia, quanto mais individualistas formos e quanto mais diferentes formos de forma autêntica, melhor. No design, isto reflecte-se na adaptação ao estilo de cada utilizador. Mass costumization é um bom exemplo.

Para finalizar, peço-lhe que identifique, por exemplo, 5 projectos que possam ser classificados como trendsetters, em Portugal e no estrangeiro.
De acordo com a sua pergunta vou enumerar exemplos de projectos que propulsionaram ou propulsionam novos comportamentos - e não necessariamente projectos que se revelaram, eles próprios, tendência: Os programas de start-ups são starting points fortes (Start-up Lisboa, Beta Start etc). As festas (na maior parte das vezes gratuitas) que oferecem experiências memoráveis aos convidados, como é o caso da Rebel Bingo, Cheryl, etc. Também temos eventos gratuitos para troca de ideias, vindos da ideia original do TEDtalks, como é o caso do PechaKucha e outros. Por fim, é também importante referir todas as novas redes sociais que surgiram para aproximar digitalmente os utilizadores: em portugal Moid, Wishareit, Refood, mas também o clássico Instagram, Pinterest, Foodie, Yummly...


Entrevista: Luís Lima
Fotografia: Direitos Reservados

1 comentários:

  1. Artigo realmente interessante. Concordo particularmente com a definição de design. Quanto ao marketing ter como objecto de estudo o consumidor e não o consumo, penso não ser verdade, uma vez que o marketing é responsável pela ligação entre a empresa e o mercado e tudo o que isso implica!

    http://naobastapensar.wordpress.com/

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